Três cidades oferecem curso; procura chega a 11 alunos por vaga.
Evento em Varginha recebeu o violeiro Ivan Vilela para palestra e show.
Do G1 Sul de Minas
A viola está entre os primeiros instrumentos de cordas a chegar ao Brasil, no século XVI, com os jesuítas portugueses. Na trilha dos bandeirantes e tropeiros, ela se popularizou no interior paulista e no Sul de Minas, onde se enraizou e se tornou parte da identidade cultural da região. Muito difundida por meio do ensino oral, os conservatórios de Varginha (MG), Pouso Alegre (MG) e Alfenas(MG) têm se firmado como polos de estudo institucionalizado do instrumento no estado. Somente em Varginha, a procura pelo curso chega a 11 alunos por vaga.
O Conservatório Estadual Marciliano Braga, em Varginha, recebeu na última semana o músico, professor, compositor, arranjador e, sobretudo, violeiro, Ivan Vilela, para um evento gratuito. Ele ministrou uma palestra e uma aula especial para alunos e professores. Além disso, Vilela também se apresentou em um show aberto ao público.
Ivan Vilela (esq.) e Roberto Bach (dir.), que foi um
dos responsáveis pelo curso em Varginha
(Foto: Rafael Rodrigues/G1)
Roberto Bach é professor de viola no conservatório há três anos e ressalta a importância de receber um músico deste gabarito para um evento na cidade. "Assim como outros estudiosos e pesquisadores, como o Roberto Corrêa, o Ivan é uma referência nacional do ensino, abrangendo o repertório da viola como um todo, desde o século XVI, do ciclo europeu onde ela esteve", conta o professor, que vê os alunos mais focados em música folclórica ou regional. "É importante para mostrar qua a viola não toca só esse tipo de repertório, mas que muito antes ela já tocava outras músicas em centros urbanos de outras épocas", completa.
Neste ano, abriram 16 vagas para o curso de viola caipira na instituição, que recebeu nada menos do que 176 inscrições. Para Ivan, a procura chama a atenção. "Eu acho louvável que os conservatórios de Pouso Alegre e Varginha tenham um curso voltado para viola. Na realidade, a gente precisa pensar que um instrumento tão popular no Brasil chega numa escola de música e não encontra ressonância. O problema não está no instrumento, mas na estrutura curricular", explica.
Violeiros sobre si mesmos
Ivan Vilela é mineiro de Itajubá, mas vive há muitos anos no estado de São Paulo. Graduado no curso de composição da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP), ele revela que começou a tocar viola aos 30 anos. "Eu tocava violão. Peguei a viola em 1992, para compor um arranjo, e desde então eu não larguei mais", conta. "O Pereira da Viola diz que é a viola que escolhe a gente. Ela virou uma extensão do meu braço, do meu pensamento, do meu sentimento, então foi uma relação de muita intimidade, parecia que a gente se conhecia há muito tempo".
Para ele, ser violeiro está além da identificação com a vida no campo, é, sobretudo, uma ligação muito forte com a identidade brasileira. "Acho que é um instrumento expressivo de diversos elementos culturais de alguns locais do Brasil. Acho que ser violeiro é basicamente estar com um pé na tradição e outro na modernidade", conclui.
Julio César encotrou-se musicalmente na viola
caipira (Foto: Rafael Rodrigues/ G1)
Aos 38 anos, Julio César de Carvalho e Almeida estuda viola há 3 anos no Conservatório Marciliano Braga e participou do curso ministrado em Varginha. Ele ainda não se considera violeiro, mas se diz apaixonado pelo instrumento. "Falta muito para eu me tornar um violeiro, mas estudar viola aqui é uma felicidade muito grande, me preenche", conta.
Médico veterinário, ele considera que a viola tem uma forte relação com o campo na sua forma de enxergar o instrumento. "A meu ver, ela remete à calmaria do mato, das montanhas, de uma água que corre, de um bicho que passa perto de você, remete muito à natureza e a parte mística que é muito ligada à viola, ela traz muito de cultura nossa, de folclore, e essa mistura dos dois mexe muito comigo. É uma felicidade muito grande."
Assim como Ivan e Julio, o professor Roberto Bach iniciou na viola depois de adulto. "Ela foi meu terceiro instrumento, eu estudei violão, depois me graduei em contrabaixo, só então eu peguei a viola", relata o professor. Bach acredita que ser violeiro é não só tocar as músicas do repertório, mas ser músico de uma forma geral. "É poder tocar todos os estilos musicais e tentar resgatar também tudo o que é o ser caipira, trazer os valores do ser caipira nos dias de hoje, no meio acadêmico e até nas nossas famílias."
Cultura popular nos conservatórios
Os alunos que têm buscado aprender a viola nos conservatórios consideram importante o ensino institucional da cultura popular. "É um instrumento nosso e temos que valorizar nossa cultura. O que hoje me segura aqui em Varginha é a viola que eu estudo aqui", revela Julio César.
Eu acho importante que elementos da cultura popular se desenvolvam dentro de templos da cultura erudita"
Ivan Vilela
Em palestra, o professor Vilela afirmou também que é muito significativa a iniciativa de trazer a cultura popular para dentro dos conservatórios, uma vez que a região tem grande riqueza musical. "Eu acho que o Roberto, em Varginha, o Zé Helder e Odilon em Pouso Alegre, o Rafael Marin, em Alfenas desempenham papel importantíssimo ao trazer a viola para o meio onde basicamente se ensina música clássica europeia. Eu acho importante que elementos da cultura popular se desenvolvam dentro de templos da cultura erudita".
O curso de viola caipira no Conservatório Marciliano Braga oferece educação básica para crianças de 6 a 11 anos. A partir de 12 anos, começa o ensino fundamental. Existe também o ensino técnico em instrumento e canto, no qual o aluno graduado pode atuar profissionalmente como músico após três anos de curso.
As inscrições para o processo seletivo já estão encerradas e as provas acontecem em dezembro. Uma nova inscrição será aberta em feveriro de 2017, caso as vagas disponíveis não sejam preenchidas.